‘Precisamos de estar confortáveis e precisamos de criar alguma coisa de que nos sintamos orgulhosos, e pelo qual nos sintamos reconhecidos. Uma actividade que dê um sentido à nossa existência, por muito ilusório que esse sentido seja. Temos, pois, que harmonizar desejos contraditórios. Precisamos de construir a casa e descansar nela. Precisamos estar refugiados no porto e a navegar. Agora posso completar a descrição. Aspiramos a fugir da angústia e a enfrentá-la.
A procura obsessiva do bem-estar fomenta o medo, converte-nos a todos em submissos animais domésticos, e a submissão é a solução confortável – e por isso amnésica – do receio.
A valentia, pelo contrário, liberta-nos, mas – incómoda contrapartida – faz-nos perder parte do bem-estar. Faz despertar no gato modorrento o felino livre que vive, sem dúvida, menos cómodo, sem aquecimento, sem cestinho, sem comida pronta, e sem afagos. Lança-nos ao descampado, que é o território da liberdade e da criação’.
José António Marina, O Medo
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