Friday, February 2, 2007

Adão e Eva


Olhámo-nos um dia,

E cada um de nós sonhou que achara

O par que a alma e a cara lhe pedia.

E cada um de nós sonhou que o achara...

E entre nós dois
Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente,

... Se deu, e se dará continuamente:

Na palma da tua mão,

Me ofertaste, e eu mordi, o fruto do pecado.


- Meu nome é Adão...

E em que furor sagrado

Os nossos corpos nus e desejosos

Como serpentes brancas se enroscaram,

Tentando ser um só!

Ó beijos angustiados e raivosos

Que as nossas pobres bocas se atiraram

Sobre um leito de terra, cinza e pó! Ó abraços que os braços apertaram,

Dedos que se misturaram!

Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri,

Sede que nada mata, ânsia sem fim!

- Tu de entrar em mim,

Eu de entrar em ti.

Assim toda te deste,

E assim todo me dei:

Sobre o teu longo corpo agonizante,

Meu inferno celeste,

Cem vezes morri, prostrado...

Cem vezes ressuscitei

Para uma dor mais vibrante

E um prazer mais torturado.

E enquanto as nossas bocas se esmagavam,

E as doces curvas do teu corpo se ajustavam.

Às linhas fortes do meu,

Os nossos olhos muito perto, imensos,

No desespero desse abraço mudo,

Confessaram-se tudo!...

Enquanto nós pairávamos, suspensos

Entre a terra e o céu.

Assim as almas se entregaram,

Como os corpos se tinham entregado,

Assim duas metades se amoldaram

Ante as barbas, que tremeram,

Do velho Pai desprezado!

E assim Eva e Adão se conheceram:

Tu conheceste a força dos meus pulsos,

A miséria do meu ser,

Os recantos da minha humanidade,

A grandeza do meu amor cruel,

Os veios de oiro que o meu barro trouxe...

Eu, os teus nervos convulsos,

O teu poder,

A tua fragilidade

Os sinais da tua pele,

O gosto do teu sangue doce...

Depois...

Depois o quê, amor?

Depois, mais nada,

- Que Jeová não sabe perdoar!

O Arcanjo entre nós dois abrira a longa espada...

Continuamos a ser dois,

E nunca nos pudemos penetrar!



José Régio
Foto:José Marafona

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